Arquivo Histórico

O RELEVANTE PAPEL SOCIAL DAS MISERICÓRDIAS NA SATISFAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS

A institucionalização das Misericórdias em Portugal tem mais de cinco séculos de existência sendo constituídas, na sua generalidade, por iniciativa de particulares como forma de contribuir para a satisfação de sentidas necessidades das pessoas mais carenciadas.

Tem sido entendido que existe algum paralelismo entre os direitos sociais do homem e as catorze obras da misericórdia, corporais e espirituais, tendo notoriamente correspondência no artigo 25.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, cujo texto pela sua atualidade se opta por transcrever:

“1. Toda a pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para lhe assegurar e à sua família a saúde e o bem-estar, principalmente quanto à alimentação, ao vestuário, ao alojamento, à assistência médica e ainda quanto aos serviços sociais necessários, e tem direito à segurança no desemprego, na doença, na invalidez, na viuvez, na velhice ou noutros casos de perda de meios de subsistência por circunstâncias independentes da sua vontade.

2. A maternidade e a infância têm direito a ajuda e a assistência especiais. Todas as crianças, nascidas dentro ou fora do matrimónio, gozam da mesma proteção social.”

Afigura-se inequívoco que a referida Declaração Universal reconhece a qualquer cidadão em nome individual e bem assim à sua família um conjunto de direitos, como seja, o direito à alimentação, ao vestuário, ao alojamento, à assistência médica e aos serviços sociais, também as obras de misericórdia ditas corporais tem em vista contribuir para a satisfação daqueles mesmos direitos.

Por sua vez, o campo de intervenção das Misericórdias é ilimitado e não tem fronteiras, como se pode constatar do profícuo e notável trabalho desenvolvido pelas cerca de 400 Misericórdias existentes em Portugal, cuja atuação se desenvolve nas mais diferentes áreas de apoio social, no período normal da vida humana, desde a infância até à morte, traduzindo-se na criação e funcionamento de serviços e equipamentos sociais destinados designadamente às crianças, aos jovens, à família, à população deficiente e à população idosa.

É hoje inquestionável que os princípios de solidariedade e de ajuda aos mais necessitados, embora com novas exigências e novas formas de resposta, continua a representar uma real preocupação das Misericórdias Portuguesas, o que só é possível com um grande empenho, competência e, especialmente, com uma grande dedicação dos que voluntariamente dedicam grande parte do seu tempo a esta nobre causa, contribuindo deste modo para proporcionar melhores condições aos referidos grupos de pessoas.

No período de grave crise nacional e internacional que vivemos, cujas consequências já são bem sentidas por toda a comunidade, mas muito especialmente com graves repercussões nas pessoas e famílias, que se encontram numa situação de desemprego e sem recursos financeiros alternativos, as Misericórdias são consideradas imprescindíveis na resolução de muitos problemas sociais que já afetam, de modo grave, a sociedade portuguesa, na certeza de que, em muitos casos, as pessoas vêm satisfeitos os mais elementares direitos de alimentação, designadamente das denominadas cantinas sociais, com mais impacto nas zonas dos grandes centros urbanos.

Estamos convictos que, a par das demais instituições de solidariedade social, as Misericórdias, tal como no passado, saberão encontrar prontas respostas para combater as graves sequelas decorrentes da atual crise financeira e económica.

Embora o Estado reconheça, de muita relevância, o papel que as Misericórdias têm desenvolvido na resolução dos graves problemas sociais, há que registar que, no final da última década e no início da presente década, os apoios financeiros do Estado para manutenção das atividades das Instituições, em geral, e das Misericórdias em particular, têm sido escassos ou, nalguns casos, mesmo inexistentes, o que afeta significativamente a sua ação e o insubstituível papel destas instituições na efetivação dos mais elementares direitos sociais que, de uma forma persistente e humanizada, vêm prestando junto das populações mais carenciadas.

Apesar de todas as dificuldades e das vicissitudes encontradas ao longo de mais de cinco séculos de existência, poder-se-á continuar a afirmar que todos os princípios que estiveram na génese da criação das Misericórdias mantêm plena atualidade e assim esperamos que continue a ser, não obstante a escassez de recursos financeiros que são, infelizmente, uma realidade em resultado da situação de crise económica que está a afetar toda a sociedade portuguesa.

2013/02/22